Partindo-se do principio que o alcoolismo traz várias conseqüências a curto e longo prazo, e as de curto prazo como sonolência e vômitos já foram explicadas, hoje abordaremos mais uma das conseqüências trazidas em longo prazo: a cirrose hepática alcoólica.
No Brasil, a causa mais freqüente da cirrose hepática é o uso abusivo do álcool. A cirrose alcoólica aparece após lesões necróticas focais das células do fígado (hepatócitos), inflamação, acúmulo de proteínas celulares, fibrose e regeneração micronodular. Na fase inicial da lesão hepática, quando ocorre esteatose hepática (depósito de gordura nas células hepáticas), o fígado aumenta de tamanho, com aumento da sensibilidade do lado superior direito do abdômen e desconforto epigástrico.
A hepatite alcoólica tanto pode instalar-se em fígado não cirrótico como pode estar superposta em pacientes com arquitetura hepática alterada pela formação de nódulos de regeneração envoltos em fibrose. O quadro clínico de hepatite alcoólica pode ser leve ou intenso, independentemente do substrato anatômico inicial, sendo relatados altos índices de mortalidade.
Como se explica a lesão hepática pelo álcool?
O metabolismo do etanol acetaldeído aumenta o consumo de oxigênio dos lóbulos hepáticos, os produtos dos hepatócitos são fagocitados pelas células macrofágicas do fígado. O macrófago amplifica a resposta inflamatória, secretando lipídeos bioativos e glicoproteínas com propriedades quimiotáticas e imunorreguladoras. O processo estimula o recrutamento dos neutrófilos através de várias vias. Em uma delas ocorreria liberação de peptídeos com capacidade de estimular a adesão e migração dos leucócitos. Além disso, ocorre a ativação da via alternativa do complemento gerando C5a, que também é potente fator quimiotático, facilita a migração dos neutrófilos. Após o recrutamento dos neutrófilos da corrente sangüínea para a região lesada se dá então o acoplamento delas ao endotélio capilar. Este processo é mediado por moléculas determinantes de aderência, também chamadas de moléculas de adesão. Como resultante desta interação reversível, os neutrófilos se acumulam na superfície das células endoteliais através da ação de várias substâncias mediadoras como o fator de ativação plaquetária (PAF), óxido nítrico (NO) e fator de necrose tumoral. Finalmente, os neutrófilos migram através da parede dos capilares para o local da infecção. A formação de complexos acetaldeídos-proteínas, que atuam como neo-antígenos, geram linfócitos sensibilizados e anticorpos específicos que atacam outros hepatócitos sadios e transportam esses antígenos. Outra explicação é a gerações de radicais livres por vias alternativas do metabolismo do etanol, constituindo o denominado sistema de oxidação enzimático mitocondrial.
Estima-se que 40% dos pacientes com cirrose são assintomáticos. A cirrose contabiliza cerca de 26 mil mortes por ano nos EUA. Esses dados reforçam a necessidade de um diagnóstico precoce.
Hábitos pessoais e exposições:
Em homens, estima-se que o consumo de 60-80 gramas de álcool por dia por 10 anos estabelece risco para o desenvolvimento de cirrose (em mulheres, 40-60 g).
Antecedentes pessoais:
Episódios prévios de pancreatite ou hepatite alcoólicas indicam consumo suficiente de álcool para desenvolver cirrose alcoólica.
SINAIS E SINTOMAS
· Fadiga, anorexia, fraqueza, adinamia, caquexia;
· Contraturas de Dupuytren, atrofia dos músculos proximais e neuropatia periférica;
· Teleangiectasias cutâneas (microveias visíveis na pele), eritema palmar, baqueteamento de dedos, hipogonadismo e ginecomastia.
No alcoólatra freqüentemente são encontradas evidências de desnutrição e deficiência vitamínica. Esse fato se deve a má-absorção de nutrientes por diminuição do fluxo de bile e do edema intestinal, com conseqüente redução do estoque hepático de vitaminas hidrossolúveis e micronutrientes. A redução do metabolismo hepático leva a uma alteração dos hormônios que mantêm a homeostase metabólica (insulina, glucagon e hormônios tireoideanos), dos hormônios sexuais (acúmulo de androstenediona, podendo ocorrer ginecomastia e atrofia testicular), e dos elementos da coagulação sangüínea.
Uma avaliação do estado nutricional em pacientes com cirrose hepática atendeu trezentos pacientes consecutivamente pela primeira vez em ambulatório. Os mesmos foram submetidos à avaliação nutricional que constou de antropometria: dobra cutânea do tríceps, circunferência do braço e circunferência muscular do braço, e bioquímica: índice creatinina/altura, albumina sérica e contagem total de linfócitos. O diagnóstico do estado nutricional foi baseado pelo escore de desnutrição calórica e protéica proposto por Mendenhall e colaboradores e a ingestão alimentar por recordatório de 24 h.
Setenta e um porcento dos pacientes cirróticos estudados foram de causa alcoólica e 29% não-alcoólica. Independentemente da causa, a prevalência de desnutrição calórica e protéica foi de 75,3%, sendo que 38.3% deles já a apresentavam moderada e grave. Os pacientes com desnutrição calórica e protéica moderada e grave apresentavam pior ingestão de proteína e energia. Em função das variáveis sexo e causa, as reservas de gordura, avaliadas pela dobra cutânea do tríceps, estiveram mais depletadas em mulheres cirróticas que nos homens cirróticos (48,6% x 26,6%). Já as reservas musculares, avaliadas por circunferência muscular do braço, estiveram mais depletadas em homens cirróticos (43,4% x 13,4%), independentemente da causa da cirrose. Em contraste, mulheres cirróticas alcoólicas apresentaram maior redução de circunferência muscular do braço que nas mulheres não-alcoólicas (20% x 9,1%)
Os pacientes cirróticos já apresentavam elevada prevalência de desnutrição calórica e protéica na primeira consulta em ambulatório, principalmente nos pacientes com piora da função hepática. A variável sexo é outro aspecto que deve ser enfocado, pois influenciou aspectos antropométricos (circunferência muscular do braço e dobra cutânea do tríceps) nesses pacientes.
O tratamento da cirrose alcoólica envolve o manuseio de suas complicações e a inibição da compulsão pelo álcool, com suporte de medicamentoso e de psicoterapia. A esses tratamento é importante uma suplementação dietética composta por baixo teor de gordura insaturada e maior ingestão proteíno-calórica. Outras medidas, como transplante hepático, devem ser estudadas caso a caso.
Bibliografia:
Postado por: Maria Luiza Alves Naves